Doenças Modernas

A MEDICALIZAÇÃO DA INFÂNCIA NO CONTEMPORÂNEO

Luciane Martins Afradique

 

Resumo

O presente trabalho tem por objetivo analisar e refletir a difusão da medicalização na infância e sua correlação com o diagnóstico do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Pensar nas dificuldades de aprendizagem como patologias é um fenômeno contemporâneo e tem sido cada vez maior o número de crianças diagnosticadas, como portadoras de transtorno mental, sendo direcionadas a especialistas que tentam responder sobre o mal-estar e o sofrimento psíquico delas. Pretende-se com este estudo de natureza teórica contextualizar o conceito de infância através de um percurso histórico a partir da idade média ao contemporâneo, destacando a patologização da infância e como a medicação vem sendo utilizada como estratégia de tratamento, principalmente no ambiente escolar. As primeiras descrições sobre esse transtorno aparecem no início do século XX, mas é a partir do lançamento do manual estatístico dos transtornos mentais, DSM-IV, que o TDAH ganha visibilidade expressiva. Desta maneira, justifica-se o presente estudo pela relevância contemporânea que se dá ao presente tema, eis que são verificadas as dificuldades enfrentadas pelas equipes escolares ao tentarem encontrar estratégias mais interessantes, ao mesmo tempo em que se reconhece que o ato de ensinar e educar uma criança vai além de culpabilizá-las por seus comportamentos inadequados. Desse modo, fa-se-á um esforço para promover uma compreensão desse transtorno e sua relação com a educação ao lidar com crianças com dificuldades escolares. Devido à natureza da proposta que ora se apresenta, recorrer-se-á metodologicamente à revisão bibliográfica para a promoção de um estudo descritivo, fundamentado em artigos científicos, obras completas e demais produções científico-acadêmicas que se mostrem pertinentes à pesquisa.

Palavras-chave: TDAH. Infância. Medicalização.

 

MEDICALIZATION OF CHILDREN IN THE CONTEMPORARY

Abstract

The present study aims to analyze and reflect the diffusion of medicalization in childhood and its correlation with the diagnosis of Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD). Thinking about the difficulties of learning as pathologies is a contemporary phenomenon and the number of children diagnosed as having mental disorders has been increasing, being directed to specialists who try to respond to their malaise and their psychic suffering. The purpose of this theoretical study is to contextualize the concept of childhood through a historical course from the middle to the contemporary age, highlighting the pathologization of childhood and how medication has been used as a treatment strategy, especially in the school environment. The first descriptions of this disorder appear in the early twentieth century, but it is from the launch of the statistical manual of mental disorders, DSM- IV, that ADHD gains expressive visibility. In this way, the present study is justified by the contemporary relevance of the present theme, and we see the difficulties faced by school teams in trying to find more interesting strategies, while recognizing that the act of teaching and educating a child goes beyond blaming them for their inappropriate behavior. In this way, an effort will be made to promote an understanding of this disorder and its relation to education in dealing with children with school difficulties. Due to the nature of the present proposal, a bibliographic review will be used methodologically to promote a descriptive study, based on scientific articles, complete works and other scientific and academic productions that may be relevant to the research.

Keywords: ADHD. Childhood. Medication.

 

Introdução

 

No contemporâneo, observamos que problemas de comportamentos, dificuldades de aprendizado e a desatenção tornaram-se uma das principais causas de encaminhamento, por parte dos profissionais da educação, para avaliação psiquiátrica, neurológica e psicológica. Diante dessa constatação, o número de crianças que estão sendo categorizadas como portadoras de doença mental dobrou entre 1970 e 1990, segundo dados da British Medical Association (LIMA; Klein, 2017 apud Timini,2010). O objetivo desta exposição é investigar e refletir o processo de expansão e legitimação da medicalização da infância no contemporâneo, e sua correlação com o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) a partir de um breve percurso histórico-cultural da infância e da psiquiatria infantil.

O TDAH tem sido o transtorno mental da infância mais estudado a partir da década de 1990, estando diretamente relacionado ao baixo desempenho escolar (Lima, 2005). Embora muito já se tenha estudado a respeito da desatenção, inquietude e impulsividade, na contemporaneidade, esta problemática recebeu a nomeação de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade-TDAH. Esse transtorno tem sido endereçado ao discurso médico, especialmente à psiquiatria, à neurologia e à pediatria. Estaríamos diante de uma nova epidemia de transtorno mental que está acometendo as crianças contemporâneas em idade escolar?

O TDAH, a princípio, era restrito aos setores da comunidade médica, e, a partir dos anos 90, passou a influenciar o raciocínio de outros especialistas e a fazer parte do vocabulário cotidiano de professores, pais e outros adultos. Crianças, anteriormente, consideradas “peraltas”, ”mal-educadas”, ”indisciplinadas” ou “desmotivadas”, começam a ser acometidas por uma disfunção nos circuitos cerebrais, possivelmente de origem genética, que provocam uma deficiência ou inconstância na atenção e um excesso nos níveis de ação. Acredita-se que cerca de dois terços dos casos desse transtorno persistam após a adolescência (LIMA, 2015).

Tornou-se frequente que crianças, em idade escolar, por apresentarem comportamento de desatenção e agitação, receberem facilmente o diagnóstico de TDAH, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Esse transtorno surgiu no início do século XX no qual houve os primeiros conceitos de hiperatividade e seus antecedentes na “Instabilidade Motriz” (Ajuriaguerra), na “Criança Turbulenta” (Wallon), na “Síndrome Hipercinética” (Abramson), dentre outros (Tendlaz, 2006).

Em 1947, a corrente anglo-saxônica desenvolveu uma concepção neurológica segundo a qual os distúrbios de comportamento e de aprendizagem das crianças estariam relacionados à existência de uma “lesão cerebral mínima” (LCM). Inicialmente, pensava-se que um dano cerebral era mínimo demais para causar tantas manifestações neurológicas, mas suficiente para alterar apenas o comportamento e as funções cognitivas. Em 1962, a constatação de que não havia nenhuma lesão fez com que o mesmo quadro passasse a ser denominado como “disfunção cerebral mínima” (Collares e Moysés, 1996).

A partir da década de 1960 e 70, nos EUA, com a disseminação, no campo médico e entre os leigos, que o diagnóstico de hiperatividade se fortaleceu, pois se passou a ter um olhar mais preocupante com crianças que apresentavam problemas de conduta hiperativa, desatenta, antissocial ou com problemas de aprendizagem.

Sobre todos esses sintomas recaía a suspeita ou o desejo de que portassem um mau funcionamento ou imaturidade cerebral, garantindo que seus desvios permanecessem referidos ao discurso médico. Esses fatos tornaram-se bastante preocupantes no interior de uma sociedade que já valorizava o indivíduo bem- sucedido e produtivo, tanto é que diversas pesquisas se ocupavam em analisar a relação do TDAH com a criminalidade, desemprego, perdas econômicas, considerando tais problemas como um fator de risco para os pais.

O DSM-III (1980) nomeou o transtorno de “distúrbio de déficit de atenção” (DDA); após o surgimento de críticas sobre o exagerado destaque dado à atenção, a hiperatividade recupera sua importância na revisão da terceira edição (DSM-III-R), editado em 1987, na qual o distúrbio ganha sua atual denominação (LIMA, 2005).

As características desse transtorno situam-se em torno de três sintomas básicos: desatenção, hiperatividade e impulsividade. A característica essencial é o padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade, mais intenso e frequente do que o observado em crianças da mesma faixa etária e o mesmo nível de desenvolvimento (DSM-IV 1994).

Na atual publicação do Manual de psiquiatria, DSM-5 (2013), utiliza-se a nomenclatura de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Para o diagnóstico do TDAH, o DSM-V não é o único instrumento utilizado para se chegar a essa conclusão, porém ele é o manual de referência e é pouco provável que um diagnóstico de TDAH seja dado num caso que não corresponda aos critérios do DSM-5 (LANDMAN, 2015).

O psiquiatra Peter Bregguin (2002) afirma não haver provas que evidenciem a existência do TDAH e que nunca foram encontradas diferenças orgânicas cerebrais ou reações bioquímicas diferentes em crianças hiperativas. Sendo o diagnóstico essencialmente clínico, o comportamento continua a ser o único quadro sintomático em que se apoiam os médicos para detectar o transtorno.

Segundo Moisés (2013); o diagnóstico de TDAH está sendo feito indiscriminadamente em uma porcentagem muito grande de crianças e o conhecimento médico exige que se assuma que isso é um produto social e não uma doença inata, neurológica e muito menos genética, é algo que socialmente vem se produzindo.

 

A Construção Discursiva da História da Infância

 

Iniciaremos nossa exposição sobre as transformações ocorridas na infância a partir de um percurso histórico, da Idade média ao contemporâneo, de acordo com a exposição de Ariés. A infância, como uma entidade separada do mundo dos adultos é uma invenção da modernidade (ARIÉS,1987). A etimologia da palavra “infância” vem do latim infans ou in fari, que significa “aquele que não fala”, isto é, aquele que se distingue do adulto pela não apropriação da fala.

A noção de infância envolve um período de tempo específico, o início da vida, durante o qual o ser humano está privado de algo: da fala, da maturidade ou daquilo que pertence ao mundo adulto. Ariès (1987) em seus estudos constituiu um olhar particular para a criança e para o tempo da infância e deteve-se longamente na análise desta etapa da vida na sociedade ocidental europeia, especialmente a francesa, na busca de decifrar os lugares assumidos pela criança e pela família ao longo do tempo. Segundo o autor, a chamada “descoberta da infância” teve início no século XIII, estendendo-se até o século XVI e XVII, quando começou a existir maior valorização da infância.

Até a idade Média não havia o sentimento de infância; isso não significava que as crianças eram negligenciadas ou desprezadas, no entanto não se verificava a particularidade infantil e as práticas de infanticídio para controle natal, bem como o abandono infantil eram comuns nessa época e, tão logo terminasse o período de maior dependência da mãe ou da ama de leite, as crianças participavam das mesmas atividades e ambientes que os adultos, sem experimentar um período de passagem – inexistia a adolescência.

As crianças eram educadas em tenra idade por meio da chamada impregnação cultural cuja transmissão se dava de forma pública pela convivência com os adultos, ademais o tratamento endereçado exclusivamente a elas e a indicação da idade não faziam parte da cultura europeia medieval. Dos adultos, que lidavam com as crianças, não era exigida nenhuma preparação e contava-se com as chamadas criadeiras, amas de leite ou mães mercenárias (Ariès, 1987).

Podemos comprovar que como não havia preocupação em representar a criança, na arte da Idade Média, ela era pintada como um adulto em miniatura, sem nenhuma diferenciação de traços ou de expressão. O costume de dar um nome exclusivo a cada filho só veio a aparecer por volta do século XVII e a infância terminava aos sete anos, pois nesta idade as crianças dominam a palavra (POSTMAN,1999).

Da inexistência do sentimento de infância da idade média para a modernidade, houve uma reconfiguração do papel da criança na sociedade, da invisibilidade a uma “descoberta da infância” também acarretou em uma supervalorização dela. Podemos pensar que essa mudança de paradigma pode está diretamente ligada com o fato de que as crianças eram consideradas adultos imperfeitos, sendo assim, essa etapa da vida provavelmente seria de pouco interesse. O conceito de criança e de infância, com todas as representações conhecidas atualmente, é uma concepção bastante recente, fato relacionado ao nascimento da escola como meio da educação.

A noção de infância na modernidade estava inserida segundo os ideais que correspondessem à expectativa dos discursos dos adultos, que se por um lado conferiu-lhe visibilidade, em contrapartida fixou-a como aposta do futuro da civilização. E se as famílias passaram a se mobilizar em direção à plena instalação da criança na sociedade, podemos pensar que o valor dos filhos a partir da sociedade moderna saiu do anonimato medieval para ser medido, prioritariamente, pelo seu sucesso de saúde física, mental e escolar.

Na modernidade, as idealizações da criança e de seu desenvolvimento estiveram atreladas à possibilidade de mensurar suas capacidades e funções, o que permitiu classificações e distinções, aproximando a ideia do que seja normal e anormal. Nessa época tornou-se muito comum a utilização de escalas de mensuração da capacidade intelectual. Assim, os problemas de aprendizado que deveriam estar atrelados a questões pedagógicas, educacionais passam a serem direcionados a problemas individuais, relacionados à capacidade intelectual particular de cada criança.

 

A Hegemonia da Psiquiatria Infantil no Contemporâneo e o Surgimento do TDAH

 

A onda higienista vai gradualmente se esgotando no decorrer da primeira metade do século XX, embora seus ecos se façam escutar até hoje. Durante a maior parte da segunda metade do século XX, tanto no Brasil quanto em boa parte do mundo ocidental, a psiquiatria de crianças e adolescentes se distanciou da psiquiatria de adultos, sendo praticada por pequenos grupos, fortemente influenciados pela psicanálise, embora também existissem correntes de influência organicista, aproximando a psiquiatria e a neurologia – a “neuropsiquiatria infantil” (LIMA, 2005).

Entre os anos 1940 e 1960, a psiquiatria recebeu forte influência da psicanálise e o vocabulário usado para discutir as principais psicopatologias era marcado por noções psicanalíticas como neurose e histeria; essa influência aparecia nas classificações psiquiátricas, como na primeira e na segunda edição do DSM, de 1952 e 1968, respectivamente.

A partir dos anos 1970, há a gradual inflexão em direção a postulações mais descritivas, comportamentais e superficiais da psicopatologia. Isso teve sua mais completa expressão no DSM-III, de 1980, e seu caráter alegadamente “ateórico”.

Podemos dizer que, a partir dos anos de 1980, a psiquiatria infantil torna-se extremamente influenciada pelas correntes organicistas e pelo uso dos psicofármacos com o consequente declínio do referencial psicanalítico.

Segundo Lima(2005), esse período que nomearemos de “expansão” da psiquiatria com crianças passa a ser guiado menos pelo amadurecimento e avanço do saber desse campo e mais pelo aparecimento e inflação de transtornos, pelo avanço dos diagnósticos em direção ao que era considerado “normal” e pela consequente ampliação do número de quadros ou situações passíveis de intervenção medicamentosa.

Roudinesco (2005) aponta o óbvio da pós-modernidade:

 

(...) o poder dos remédios ao espírito, é um sintoma de uma modernidade que tende a abolir no homem não apenas o desejo de liberdade, mas também a ideia mesma de enfrentar a adversidade. O silêncio passa então a ser preferível à linguagem, fonte de angústia e vergonha. (ROUDINESCO, 2000, p. 17)

 

Enquanto na modernidade a noção desenvolvimentista buscava enfatizar a diferença entre adultos e crianças, na atualidade parte-se de uma perspectiva normativista da infância baseada na lógica classificatória de categorias dos manuais de psiquiatria, sendo certo que atualmente o DSM-5(2013) é a principal referência para diagnosticar os transtornos mentais.

A atual publicação do manual de psiquiatria DSM-5 define o TDAH como um transtorno do neurodesenvolvimento. Segundo LIMA (2017), a noção de neurodesenvolvimento remete à ideia de que as patologias estariam relacionadas a uma disfunção cerebral, ou seja, a um desvio do desenvolvimento neurológico normal, que ganha o caráter crônico.

As principais modificações do DSM-5 referem-se a limites de idade. Nesta publicação, os sintomas devem começar antes dos doze anos de idade, quando o limite estava em sete anos no manual anterior. Assim tornou-se possível classificar como portadores de TDAH adolescentes que, espontaneamente, ficam distraídos e impulsivos sem ultrapassar o limite do normal.

Após esta edição, observou-se o aumento desse diagnóstico por parte dos psiquiatras, pois os sintomas não devem corresponder ao nível de desenvolvimento, o que pode ser considerado muito vago e flexível. De acordo com Lima (2005), podemos pensar que o TDAH possa ser o “Carro-chefe” do processo de “expansão” da psiquiatria infantil e tem se transformado em um “diagnóstico escolar” já que a sala de aula é o principal palco onde se realizam as demandas de tenacidade e autocontrole, necessárias para os imperativos de desempenho e eficácia.

 

A Medicalização da Infância no Contemporâneo

 

A hipermedicalização das dificuldades de aprendizagem tem sido uma prática comum, uma vez que observamos crianças em idade escolar sendo diagnosticadas e medicadas como portadoras de transtorno mental, por apresentarem dificuldades de aprendizagem e problemas comportamentais.

Essa prática se sustenta na nova concepção da psiquiatria infantil a partir da metade do século XX, onde se inicia a separação da psicanálise infantil e da psiquiatria que será consagrada no DSM-III, em1980, que marca a cisão e um novo paradigma da psiquiatria americana (KLEIN; LIMA,2017).

Atualmente, podemos pensar que o sofrimento psíquico manifesta-se sob diferentes formas e as crianças não têm sido poupadas, pois diversas patologias vêm ganhando visibilidade no campo da infância e, segundo dados da British Medical Association (KLEIN; LIMA,2017), é cada vez maior o número de crianças que podem ser categorizadas como portadoras de doença mental.

Nesse novo paradigma, o discurso médico psiquiátrico encontra no remédio a cura para todos os males, incluindo os sofrimentos psíquicos e as variações comportamentais. Essa lógica busca a normalização de comportamentos desviantes, aqueles que estão fora do padrão de exigido pela escola e pela sociedade.

A esse respeito, Kamers (2013) atribuiu à medicalização a principal estratégia de “tratamento” para as crianças, além de um importante dispositivo de vigilância que a escola enquanto agente tutelar realiza sobre as crianças e suas famílias.

Segundo Collares; Moysés (1994), a medicalização é o processo de se transformar questões não médicas, eminentemente de origem social e política, em questões médicas, ou seja, trata-se da tentativa de se encontrar no campo médico as causas e soluções para problemas dessa natureza.

Essa noção é compartilhada por Kehl (2009, p. 53) ao apontar que a “patologização” da vida, termo similar à medicalização, subtrai do sujeito o desejo do conflito, a dor e o sofrimento, ao torná-lo com uma vida sem perturbações. Deslocamento auxiliado pela indústria farmacêutica que difunde versões “medicalizáveis” das formas de inquietação, das oscilações de ânimo e da inadequação à norma que caracterizam a vida.

Na atualidade tem-se observado um aumento significativo na prescrição de medicamentos psiquiátricos, principalmente do Metilfenidato, conhecido com o nome comercial de Ritalina ou Concerta, indicado para casos de desatenção e agitação. O aumento no consumo de psicotrópicos por crianças busca o silenciamento dos sofrimentos psíquicos e dos comportamentos que, na atualidade, têm sido entendidos como patologias ou transtornos. Essa lógica coloca as patologias mentais em primeiro plano e a infância passa a ser pensada nesse cenário, sendo certo que as escolas não ficam fora desse processo de compreensão.

O mencionado medicamento pretende abolir todos os tipos de sofrimentos psíquicos que atualmente têm se manifestado na infância, como problemas escolares, conflitos psicossociais e mal-estar do cotidiano que estão sendo diagnosticados como TDAH. Diante dessa lógica, tem sido comum a prevalência pelo controle através da bioquímica, fazendo com que o remédio se torne o instrumento que responde a razão pela qual a criança não obedece, não para quieta ou aprende ou não.

Pretende-se encontrar no remédio o silenciamento dos sofrimentos infantis em vez de buscar significações. Como nos aponta Birman (1999), “assistimos, na atualidade, a uma sedação indiscriminada da angústia humana, constituída a partir dos psicofármacos” e acrescenta: “A sedação indiscriminada da angústia humana, através dos psicofármacos, representa um marco da atualidade e merece atenção especial, pois não implica o sujeito em sua problemática”.

Segundo Moisés (2013), o diagnóstico de TDAH está sendo feito indiscriminadamente em uma porcentagem muito grande de crianças e o conhecimento médico exige que se assuma que isto é um produto social e não uma doença inata, neurológica e muito menos genética, é algo que socialmente vem se produzindo. Diante do exposto acima, podemos entender que existem controvérsias no entendimento dessas manifestações da infância.

 

Considerações Finais

 

A expansão diagnóstica do TDAH é um fenômeno relativamente recente (últimas três décadas) e esse vem ganhando destaque como o transtorno mental da infância mais medicado a partir da década de 90. O referido transtorno possui raízes eminentemente americanas, embora, esse diagnóstico tenha sido propagado em outros países.

O TDAH caracteriza-se como um transtorno do neurodesenvolvimento comum em crianças em idade escolar, cuja característica principal é um padrão persistente de desatenção, hiperatividade e impulsividade, que resulta em prejuízos emocionais, familiares, sociais e, sobretudo, escolares.

A discussão em torno desse diagnóstico não se deu sem controvérsias, principalmente em relação aos interesses das indústrias farmacêuticas e, sobretudo, por esse transtorno ter se tornado tão presente no ambiente escolar, como um estigmadas crianças que não aprendem.

Na atualidade, o processo de medicalização tem tido utilizado como estratégia no campo da educação, e consequentemente, esse fenômeno tem gerado a patologização das crianças.

As dificuldades nas relações de ensino e aprendizagem têm sido transformadas em problemas e consequentemente direcionadas ao saber médico que “corrigi” os problemas, diagnosticando-os como transtorno mental e utilizando como estratégia o controle com psicotrópicos.

Diante dessa realidade, a patologização da infância tem sido a marca da hegemonia orgânica na atualidade, na qual comportamentos infantis, principalmente ligados ao aprendizado e a escola têm sido direcionados à psiquiatria. Essa lógica busca encontrar explicações médicas para os acontecimentos, atribulações próprias das relações do ensino e aprendizado. Muitas vezes os profissionais da educação buscam encontrar no diagnóstico médico e psicológico a metodologia correta ou as explicações do como e do porquê de as crianças não aprenderem.

Assim, terminamos como a seguinte reflexão: Como os comportamentos de inquietude, agitação e desatenção, ou seja, esses excessos que transbordam no corpo se tornaram uma categoria médica que diagnostica crianças como portadoras de um transtorno mental em que a medicalização foi utilizada com estratégia disciplinadora? O diagnóstico de TDAH e os impasses da educação possuem extrema correlação e a barreira do comportamento considerado normal vem diminuindo devido à ampliação do número de quadros ou situações passíveis de intervenção medicamentosa, o que culmina, por conseguinte, no aumento da prescrição de psicotrópicos em todas as faixas etárias, para todos os tipos de sofrimento psíquico e mal-estar infantil. Assim sendo, a doença ou o transtorno explica o não aprendizado da criança e o remédio tem sido a estratégia mais usada para adequar as crianças dentro das normas escolares.

 

Referências

 

ARIÈS, Philippe. El descubrimiento de la infancia. El niño y la vida familiar em el antiguo régimen, 1987.

 

CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA 5ª REGIÃO (CRP-RJ). Conversações

Em Psicologia E Educação. Rio de Janeiro: Conselho Regional de Psicologia 5ª Região, 2016.

GUARIDO, Renata Lauretti. O que não tem remédio, remediado está: medicalização da vida e algumas implicações da presença do saber médico na educação. 2008. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.

 

KLEIN, Thais; LIMA, Rossano Cabral. A difusão do diagnóstico de transtorno bipolar infantil: controvérsias e problemas atuais. DESIDADES-Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude, n. 16. 2017.

 

POSTMAN, Neil. El fin de la educación: Una nueva definición del valor de la escuela. Octaedro, 1999.

 

ROUDINESCO, Elisabeth. Por que a psicanálise? Zahar, 2000.

 

ROHDE, Luis Augusto; BENCZIK, Edyleine BP. Transtornos de Déficit de Atenção e Hiperatividade: O que é? Como ajudar? Artmed, 1999.

 

SANTIAGO, Ana Lydia. A inibição intelectual na psicanálise. Zahar, 2005.

 

SILVA, Marianna da Gama. TDAH: Contribuições da psicanálise. São Paulo. Escuta. 2016.

 

ZORNING, Silvia Abu-Jamra. A criança e o infantil em psicanálise. Escuta, 2000.